domingo, 12 de janeiro de 2014

Vou fazer a louvação; Pro que deve ser louvado...


Dublin 5/01/14

Um caminhão, carregado de pedras estava passando pela minha cabeça nos últimos dias, ou será que carregava as pedras que antes carregava eu,  e que de saída havia decidido passar pela minha cabeça para lembrar-me do que acumulei. Não sei, mas era essa a minha sensação ao acordar no dia 05 de janeiro de 2014 na casa de minha amiga Bruna em Dublin.
Poucas horas dormidas e uma chuvinha fina na rua daquelas que convida a ficar dormindo. Mas eu tinha um compromisso de cantar junto ao meu coro na Igreja Christ Church no coração de Dublin.
Lá fui eu,  pus a primeira calça jeans que vi pela frente, uma blusa vermelha de lãzinha fina e meu super casaco preparado para o clima de inverno da minha querida Dublin.

(Van Gogh)

Esse coro a que me refiro, é o Coro Voluntário da Christ Church, um coro de canto lírico onde cantamos obras de Batten, Stanford entre outros compositores do séc: XVI. Algumas peças são inclusive em Inglês Arcaico com palavras que não se usam mais. Isso me explicou uma senhora da Inglaterra, colega do coro, que também me contou a história desse período histórico a que nos referíamos, as reformas na igreja e na língua, etc. Quando terminou o relato eu tinha um sorriso de orelha a orelha por tê-la entendido claramente, ao que ela me respondeu – Sim claro, articulei bem as palavras. Com aquele acento britânico característico.
Quando subi na sala em que ensaiamos (uma sala lindíssima no segundo andar da Igreja com um piano de cauda no centro e uma acústica fabulosa) tive minha primeira surpresa: todos estavam com trajes de festa, e isso tudo era de manhã. Os homens de terno e gravata e as mulheres de saia preta e blusas arrumadas e brilhosas. E eu de calça jeans. Perguntei a Martina, a moça que toca o piano se podia cantar vestida assim e ela perguntou ao maestro que prontamente respondeu que claro e assim me juntei aos cantores no aquecimento da voz.
Quando foi a hora de descer para a Igreja eu ainda sentia um desconforto pela minha roupa e fiquei esperando todos saírem primeiro para perguntar de novo para a senhora (aquela de boa articulação) me explicar se seria um insulto eu cantar na missa com aquela roupa. Desta vez ela não foi tão paciente e não entendendo a minha pergunta saiu apressada.


(Eleanor Fortescue Brickdale)

Desci então e meio que me perdi nos labirintos da Igreja até encontrar o padre (esse eu reconheci pela roupa) que com um amistoso e acolhedor sorriso me perguntou – É sua primeira vez por aqui?. Expliquei que sim que estava com o coro e ele me conduziu aos púlpitos laterais onde ficaríamos para cantar.
Mesmo que eu ainda estivesse meio incomoda pela minha vestimenta, o sorriso do padre me acalmou e quando entrei no meu lugar vi que minhas outras colegas haviam guardado meu espaço e esperavam por mim (acredito agora que talvez elas nem tenham reparado na minha roupa e que se reparam me deram o “desconto”  que toda a juventude e todo estrangeiro ganham por não conhecer os costumes locais).
E ai começou a magia, quando o primeiro acorde do grande órgão da igreja ressoou nos meus ouvidos e na minha alma. Ensaiamos algumas das músicas, e eu já sentia uma atmosfera diferente no ar. Os ajudantes do padre enchiam a Igreja de incenso e eu ia sentindo minha consciência se elevando conforme soltava minha voz e abria meu coração.

(Harry Holland)


A Christ Church é uma Igreja estilo gótico (e antes de reformada era uma Igreja viking) do séc: XI, de orientação , e a missa lá é como voltar no tempo. O sermão do padre é num púlpito ao lado da Igreja, (e foi tão acolhedor quanto o sorriso do próprio. Ele falou de sermos as crianças de Deus, e essa consciência de ver-me tão pequena e amparada foi me dando uma sensação de conforto e pertencimento), o padre e os seus ajudantes caminham por toda a Igreja com bastões rituais e incensos aromáticos, e na consagração compartilham com toda a comunidade tanto a hóstia quanto o vinho. Ironia do destino ou não eu fui a segunda a comungar, com minha calça jeans, diante a toda a Igreja recebendo outro sorriso acolhedor do padre.

(ambas de Pietro de Cartona)


Todos esses ritos eram emoldurados pelos nossos cantos e pelo potente órgão e nesses momentos cheguei a estados de nirvana em louvação. Minha voz era parte de um todo de vozes harmônicas e lindas de se ouvir, e o que cantávamos vinha de dentro do coração. Foram momentos em que realmente eu sentia essas preces.
“-Blessed is He, that comes,  that comes in the name of the Lord,”
 E meu coração se inundava de música, magia e principalmente de paz. A paz de saber-me imperfeita, de saber-me aprendiz. A paz de compreender que tudo é necessário no crescimento e que somente tendo vivido conseguimos entender o porquê das experiências.

(William Adolphe Bouguereau)

(Eleanor Fortescue Brickdale)


 Nesse momento tudo, absolutamente todo fez um sentido completo da perfeição do plano de Deus. Eu entendi no fundo de mim que não havia um segundo da minha vida que poderia ter sido diferente. Entendi que até o que eu considero meus erros serviu para me ensinar, e que todos os aprendizados culminavam naquele momento de fé, cantando em louvor a Deus, mãe e pai que está em nós em cada pedacinho de nós e de tudo. Uma sensação de gratidão, de amor e fé me inundou. Uma euforia calma (é possível isso?) impossível de escrever em palavras. Ao mesmo tempo em que me senti cheia de vida, me senti em repouso, entregue, sabendo que minhas ações estavam amparadas pela vontade divina e que eu podia relaxar e entregar, qual um nenê se entrega ao sono em plena confiança na mãe que o sustenta e protege. Vivi como que uma retrospectiva dessa minha vida, desde a minha infância até esse momento, e ao fim senti o aconchego de chegar onde cheguei e de saber-me nas mãos dele/ dela que não tem gênero e permeia tudo, guarda por tudo e tem um amor infinito por tudo.

(Edward Robert Hughes)


(William-Adolphe Bouguereau)



Uma senhora de cabelos brancos soltos até a cintura foi no púlpito ler o Evangelho e de novo senti aquela sensação de casa. Como se todos os erros da humanidade do passado estivessem purificados naquele momento. Senti perdão por todas nós mulheres que sofremos muito pela ignorância da Igreja, dos homens e de nós mesmas. Senti gratidão pelas que nos precederam e que transmitiram como puderam o incondicional amor de mãe, o mais próximo do divino que há, nunca deixando morrer o selvagem, belo, misterioso e profundo conhecimento feminino.  Senti perdão pelos homens que carregaram por tanto tempo o peso da opressão e da guerra passado de geração a geração. Senti gratidão por todos os homens que conseguiram ir alem dessa sina e foram bons pais, bons companheiros,  cheios de paz e amor no coração Senti  gratidão e pedi perdão por toda essa imperfeição que faz de nós tão humanos e tão frágeis.

(Michelangelo)


E a todas essas já não controlava minha voz que subia como canto de pássaro. Já não precisava pensar nas palavras pois elas vinham e faziam sentido na linguagem universal do amor.
Terminada a missa, me senti forte, completa, segura nas minhas decisões, amparada de saber que nunca estarei sozinha e que estou sempre sendo conduzida pelo melhor caminho, sempre nos braços deles mãe – pai Deus.
Olhando para as cadeiras da Igreja reconheço  Bruna minha amiga. Tamanho amparo e sabedoria flui dessa menina de 23 anos cheia de vida e verdade. Como  sou grata a essa amiga, que se mostrou uma fortaleza de proteção nesse momento em que me vi tão frágil. Vê-la lá e saber que mesmo sem saber ela vivenciou um dos momentos de maior conexão que já vivi na vida,  foi mais um presente  desse Deus vivo que preenche a todos nós.
Na saída  fui me despedir do maestro, que me agradeceu muito e disse – Hoje foi especial para você né? Que bom que desfrutastes!.  Só consegui rir em resposta antes de tentar explicar que foi minha primeira missa em Inglês. Como falar missa em Inglês? Pouco importa as palavras nesse momento e em que idioma saem, acredito  que ele entendeu e após abraços de despedida fomos eu e Bruna de braço dado para fora da Igreja.

( Remedios Varo)

Na rua o vento soprava bênçãos em nossos ouvidos,  o sol tinha aparecido para inundar-nos com sua luz e as belas arvores que circulam a Christ Church lembravam-nos que Deus habita toda a criação. Caminhamos em um cúmplice silêncio, preenchidas de amor e paz, e reconhecendo a vontade divina em todo imperfeito perfeito acontecimento.

(ambas de Claude Monet)


Um comentário:

  1. Natália que lindas palavras. Cheias de vida, de amor, de leveza, de encontro, de verdade e cheia da presença de Deus. Que experiencia mais linda! Ler tudo isso me faz crer ainda mais que o amor existe e que ele transforma e que existe sim no mundo, pessoas que conhecem o verdadeiro significado do que é o AMOR. Você e todas essas pessoas que partilharam desse momento estavam tão cheio de amor de Deus que ajudaram-a nesse encontro! Lindo mesmo. Tenho acompanhado suas publicações e talvez você possa gostar das coisas que escrevo. Quando tiver um tempo visita meu blog ( http://escutaocoracao.blogspot.ie/ ).

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